O Paradoxo da Porta Fechada: Por Que o Passaporte dos EUA Caiu do Top 10 Mundial
O passaporte dos Estados Unidos, que já foi sinônimo de acesso irrestrito e liderou rankings de mobilidade global, acaba de sair do clube dos dez mais poderosos do mundo. De acordo com o mais recente Henley Passport Index, o documento americano despencou para a 12ª posição, empatado com a Malásia, marcando uma "mudança fundamental na mobilidade global e na dinâmica do soft power".
A queda não é apenas uma nota de rodapé estatística; é um sintoma direto de políticas de isolamento e repressão migratória, com implicações profundas para a imagem e a influência global dos EUA.
Os Números do Declínio e a Perda de Acesso
O Henley Passport Index, compilado pela consultoria Henley & Partners e baseado em dados da IATA (Associação Internacional de Transporte Aéreo), mede quantos destinos um portador de passaporte pode visitar sem a necessidade de um visto prévio.
Posição Atual: 12ª, empatado com a Malásia.
Acesso Sem Visto: 180 dos 227 destinos globais.
Queda Histórica: O passaporte, que liderou o ranking em 2014 e estava em 7º lugar no ano passado, perdeu sua posição de destaque.
O declínio é atribuído à perda de acesso sem visto a uma série de nações-chave. Notavelmente, o Brasil e a China estão entre os países que revogaram o privilégio de entrada sem visto para americanos, citando a falta de reciprocidade. Mudanças políticas em nações como Papua Nova Guiné, Mianmar, Vietnã e Somália também contribuíram para a queda.
A Repressão Migratória de Trump como Fator-Chave
A consultoria Henley & Partners atribui grande parte dessa erosão da mobilidade à política de imigração do presidente Donald Trump. O foco da Casa Branca em restringir a entrada nos EUA — inicialmente contra a imigração ilegal e o tráfico de drogas — expandiu-se para regras mais rígidas aplicadas a turistas, trabalhadores estrangeiros e estudantes.
“O retorno de Trump ao poder trouxe novos conflitos comerciais que enfraquecem a mobilidade dos Estados Unidos.”
— Dr. Tim Klatte, sócio da Grant Thornton China.
O relatório cita especificamente:
Restrições de Visto: Restrições recentes a viajantes de 19 países.
Ameaças de Proibição: Ameaças de estender as proibições de visto a mais 36 nações.
Essa postura de "porta fechada" dos EUA tem uma consequência direta e evidente: outros países respondem com a mesma moeda.
O Paradoxo da Reciprocidade: A Porta Aberta vs. a Porta Fechada
A análise da Henley & Partners sublinha o que é talvez o maior paradoxo:
O Acesso Americano: Americanos podem visitar 180 destinos sem visto.
Abertura Americana: Os EUA, por outro lado, concedem acesso sem visto a apenas 46 países.
Essa falta de abertura é a essência do problema. Como explica Christian H. Kaelin, presidente da Henley & Partners, a mensagem do ranking é clara: "Nações que abraçam a abertura e a cooperação estão avançando rapidamente, enquanto aquelas que se apoiam em privilégios passados estão sendo deixadas para trás.”
O soft power do passaporte americano está se desintegrando porque a diplomacia de vistos dos EUA tem sido unilateral, exigindo acesso, mas negando-o.
Passaporte Brasileiro: Resiliência em um Mundo de Abertura
Embora o Brasil não esteja no grupo dos dez passaportes mais fortes – um posto ocupado por três nações asiáticas (Singapura, Coreia do Sul e Japão) –, sua posição reflete uma política externa de maior cooperação.
O Brasil costuma figurar entre as 20 ou 30 posições mais altas do ranking, oferecendo acesso sem visto ou com visto na chegada a mais de 160 destinos.
O que é crucial notar no contexto da queda americana é:
Abertura Recíproca: O Brasil adotou a reciprocidade como princípio em sua política de vistos. Ao reimplantar a exigência de vistos para americanos, como reação à persistência do visto para brasileiros, o governo defendeu a soberania e a igualdade no tratamento de cidadãos.
Manutenção de Alianças: O Brasil, ao manter uma política de acesso facilitado com a maioria dos países da União Europeia e da América do Sul, preserva sua mobilidade.
A política brasileira reflete a tese de Kaelin: no mundo atual, o "soft power" e a liberdade de viagem são ganhos pela cooperação e abertura mútua, e não por privilégios unilaterais.
Os Novos Líderes Globais de Mobilidade
Enquanto os EUA recuam, países que priorizam a cooperação e a conectividade global avançam. Três países asiáticos dominam o topo da lista:
No total, 36 países superam os EUA, incluindo todos os membros da União Europeia, o Reino Unido, a Suíça, o Canadá e os Emirados Árabes Unidos. A Rússia, em contraste, está na 50ª posição, com 114 destinos sem visto.
A queda do passaporte americano do Top 10 é um poderoso indicador de que, no século XXI, o poder global é medido não apenas pela força militar ou econômica, mas pela capacidade de um país se conectar, cooperar e facilitar o movimento de pessoas.
Ao fechar suas portas, os Estados Unidos perdem influência no exterior e pagam o preço da redução de sua própria liberdade de viagem.
